quarta-feira, 17 de julho de 2013

Intervenção urbana e comportamento no trânsito: "Motorista que dá vez a pedestre ganha aplauso em Sorocaba"

Hoje vi uma notícia que me chamou a atenção, como pedestre e analista do comportamento. Uma intervenção urbana em Sorocaba/SP planeja aumentar a conscientização dos motoristas para a faixa de pedestres. Um grupo de teatro de rua comanda a intervenção. A seguir, a notícia do Estadão na íntegra:

"O pedestre aproxima-se da faixa de travessia, faz um sinal com a mão e, se o motorista freia o carro e dá preferência, é aplaudido pelo público. Uma faixa é aberta saudando o gesto. A cena que surpreende a motoristas e transeuntes faz parte de uma campanha lançada nesta terça-feira (16), em Sorocaba.

O objetivo é conscientizar os motoristas a dar prioridade aos pedestres que aguardam sua vez nas faixas de travessia. Atores do grupo de teatro ‘Nativos da Terra Rasgada’, misturados à população e ‘disfarçados’ de pedestres protagonizam a encenação.
A campanha 'Mão na faixa, pé no freio' está sendo desenvolvida pela Urbes, empresa municipal de trânsito, e deve seguir até o final do mês nas vias de maior movimento da cidade. A Urbes quer incentivar os pedestres a pedir passagem de forma consciente e segura, enquanto os motoristas são motivados a contribuir para um trânsito mais cordial.
O objetivo é evitar atropelamentos. No primeiro trimestre deste ano, nove pessoas morreram atropeladas em ruas, avenidas e rodovias que cortam a cidade. No mesmo período de 2012, foram registrados seis óbitos."
A intervenção, como tantas outras intervenções urbanas tão legais como as que a gente se depara por aí, me pareceu ainda mais legal por dois motivos: o primeiro é que utiliza reforçamento positivo para estabelecer um comportamento um pouco esquecido (em outras palavras, extinto) no trânsito brasileiro. O outro é que chama atenção tanto para o comportamento do pedestre quanto para o do motorista - é importante não apenas o último parar na faixa, mas o primeiro também deve se conscientizar da importância da mesma e pedir passagem de forma adequada.

Ao mesmo tempo, podemos questionar se a intervenção pode trazer resultados duradouros - ou seja, generalizar seus resultados. Provavelmente não vai bastar uma intervenção pontual, mas campanhas de conscientização frequentes e também outras ações, como o reforçamento disso nas escolas de trânsito, na reciclagem dos motoristas, e mesmo na vida diária. Uma outra questão é o papel de consequências punitivas no estabelecimento de comportamentos como esse. Voltei recentemente de uma viagem à Romênia e, após um comentário com um amigo romeno sobre o fato de os motoristas sempre pararem na faixa para os pedestres por lá (ainda que um pouco impacientes - o trânsito na Romênia também não é uma tranquilidade assim tããão grande), ele respondeu que isso acontece porque lá quem é flagrado desrespeitando a faixa perde a carteira de motorista - e se atropela alguém, ainda vai para a cadeia. Apenas pelo relato dele, não dá para saber de todas as contingências envolvidas no comportamento de parar para os pedestres na faixa por lá - provavelmente existem também outros reforçadores envolvidos. Mas dá pra pensar em por que isso também não acontece por aqui, afinal as punições para crimes de trânsito costumam ser brandas ou pouco consistentes.

Enfim, se as palmas dos atores de Sorocaba vão realmente ser reforçadoras para o comportamento que pretende ser reforçado é algo que não dá para adivinhar sem analisar de perto todas as contingências. Mas é uma ação bem válida, não é?

Em tempo: existe uma dissertação da UnB sobre o comportamento do brasiliense na faixa de pedestres e uma possibilidade de intervenção cultural, de autoria da Vívica Lé-Senechal Machado (2007). Confiram neste link.

4 comentários:

  1. Legal que não estão apenas tentando "conscientizar" as pessoas, também estão mudando as contingências dos comportamentos delas. Contudo, vai ser difícil saber se as consequências oferecidas são reforçadoras.(Y)

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    1. Pois é! Seria massa ter alguém lá por Sorocaba observando o que acontece antes, durante e depois da intervenção...

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  2. Mais uma vez podemos contar com o grupo de artista, que de sua forma, faz um alerta a sociedade de forma inovadora.
    Este reforço positivo (aplaudir o motorista) feito por eles no meio do transito, indiscutivelmente é algo produtivo, mas para mim isso é "uma introdução de uma redação não completa".
    O fato de não está completa não é por culpa do excelente grupo que ajuda o país evoluir e sim da falta de reforço positivo. Ao falar isso podem surgir perguntas e algumas criticas, mas vou me explicar.
    Um reforço só passa a ser produtivo quando se tem mais de uma vez esse reforço, caso não aconteça não existirá mudança, e sim, um reforço aleatório. Para que não aconteça um reforço aleatório precisava-se de mais reforços, ou seja, mas grupos em mais sinais concientizando os motoristas. Então tá beleza ? Resolvemos o problema? Não! A situação vai muito além do meu próprio argumento.
    Nós brasileiros termos um histórico de contingências que nos impedi de evoluir rapidamente. Essas contingências fazem com que nós sejamos relapsos as leis, e isso pela ansiedade que só aumenta a cada dia e trás junto com ela o estresse e as ofensas no transito. Então qual a solução? Ai entra a parte da punição que funciona como um freio.
    Em Romênia a punição é bem maior comprada à punição brasileira, mais porque a punição brasileira não funciona? Pela falta de punição.
    Assim como o reforço, as punições só vão ser consolidadas quando levarem esses estímulos a sério. Fazer uma ou duas vezes não vai adiantar nada. Deveria se ter uma maior virilidade e investimento do governo na atitude dessas pessoas que ajudam com sua arte.
    Enquanto isso não acontece, a solução é ir para as ruas de forma artística tentar conscientizar algumas pessoas estressadas ou não, a respeitarem mais a leis.
    Triste é saber que isso tudo que foi dito, lido, e comentado aqui e ficará em nossas vidas como algo que aconteceu em apenas um sinal que já passamos.

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  3. Boa idéia! Curiosa pra o que aconteceria se fizessem isso a longo prazo. E em Salvador. Eu tento reforçar positivamente dando um sinal de valeu quando me dão passagem :)

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